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PAOLA   

   A experiência começa na divulgação da pesquisa de campo, na empolgação, ansiedade, medo, tentativa de organização, debate, desnorteamento... como agrupar 10 pessoas que acabaram de se conhecer, que moram em diferentes cidades, querem coisas diferentes, pensam diferentes, em um único evento? 

   O desafio começou na unificação do grupo, afinal são 10 pessoas, pessoas que você precisa confiar a sua nota e o no comprometimento de todos. Após a reunião do grupo, onde todos estão em um grupo de mensagens (Whatsapp), vieram as ideias, a votação e finalmente a decisão do evento a ser visitado. Primeiramente houve um empate técnico entre a Mesquita Abu Bakr Assidik (Localizada em São Bernardo do Campo) e a Mesquita Brasil (no bairro do Cambuci em São Paulo), os votos ficaram empatados em 5 a 5. Mas decidimos pela Mesquita Brasil já que ela é a primeira Mesquita da América Latina.

   A ansiedade da visita começa alguns dias antes da visita. Questionamentos como: “Como me vestir? Me portar? ” Me rondaram pelos dias anteriores e no próprio dia da visita. A preocupação aumenta por ser um evento cultural religioso, algo que envolve muito significado, honra e respeito por seus praticantes, o medo de fazer algum ato desrespeitoso só aumentava.

NOITE ANTERIOR, 28 DE JUNHO DE 2018

   Na noite anterior à visita (quinta-feira, 28/06/2018) a preocupação foi achar um traje adequado para a visita, não poderia ser nada curto, decotado, chamativo, colado ou transparente, ou que mostrasse o desenho do corpo, tinha que ser algo que pudesse cobrir pernas, braços, ombros, colo e cabelo.

MANHÃ DA VISITA. 29 DE JUNHO DE 2018

   Na manhã da visita (sexta-feira, 29/06/2018) acordei cedo, às 7:00 horas, talvez pela ansiedade, talvez pelo medo do atraso e do caminho desconhecido. Levantei da cama, tomei banho, café, preparei minha mochila com garrafa d’água, bolacha, caderno, estojo e documentos. Às 8:00 horas, comecei a me trocar, vesti uma calça pantalona bem larga de fundo e preto e flores beges e cinzas de estampa, uma blusa de manga comprida larga toda preta, alpagarta bege e levei o lenço vermelho que cobriria meu cabelo na mochila.

IDA

   Às 9:10 horas, eu sai do meu apartamento e fui para faculdade pegar o fretado das 9:33 que vai até Santo André, eu moro a 8 minutos andando do Campus de São Bernardo. Comecei a sentir o peso das roupas fechadas e escuras no céu limpo de 25°C no trajeto até a faculdade.       Na rua, fluxo normal de pessoas indo para o trabalho, idosos limpando suas calçadas, indo passear com seus animais de estimação, todos vestidos de forma casual e leve e alguns olhares curiosos sobre a minha vestimenta pesada para um dia de sol. Cheguei um pouco antes do fretado, esperei por uns 5 minutos na fila até que ele chegou, não tinha muita movimentação de estudantes, nem fila, pois estava em horário de aula, ouvi alguns rumores dos alunos na fila que o professor tinha faltado e estava assistindo filme, por isso de saírem mais cedo.

 

 

 

   Não sabia exatamente onde descer, nunca tinha pegado o fretado e nem ido até o local de nosso encontro, Estação Prefeito Celso Daniel em Santo André, pedi para o Lucas me esperar no Terminal Leste e perguntei para uma menina no fretado se estávamos chegando. No fretado só tinham algumas pessoas, umas 15 pessoas, todas sentadas, vestidas casualmente e quietas no trajeto inteiro. O trajeto até foi calmo e rápido. Às 9:47 já tinha descido do fretado e encontrado o Lucas que me esperava no ponto.

   A rua, o Terminal Leste e a Estação de metrô estavam cheias de gente, tanto vendedores ambulantes como trabalhadores indo trabalhar, estudantes e outras pessoas mais. Todas vestidas casualmente e apressadas para seus destinos. Passamos por baixo do Terminal em direção à Estação, atravessamos a rua, entramos na fila da bilheteria, pegamos nossas passagens de trem e fomos nos encontrar com o resto do grupo.

 

 

 

   Chegamos por volta das 10:00 na Estação, a Beatriz já estava lá nos aguardando. Ficamos até quase 10:30 esperando as outras meninas chegarem, Stefanni, Talita, Letícia e Victória. Às 10:30 com todos reunidos seguimos o nosso caminho em direção à Mesquita e ao encontro do resto do grupo. Dentro do trem havia bastante comércio de vendedores ambulantes e pessoas diversas, todos vestidos casualmente, o trem estava parcialmente cheio, porém não lotado. A viagem foi tranquila, sem nenhum imprevisto. Chegamos na Estação da Mooca após uns 35/40 minutos de viagem, a Estação estava pouco movimentada e bem tranquila, ficamos esperando por uns 5 minutos pela Priscila lá. Após a Priscila chegar, saímos da Estação em direção à Mesquita e encontrar a Vanessa, nossa última integrante. Saímos da Estação e fomos em direção da Avenida do Estado, o trajeto da Estação até à Mesquita leva cerca de 18 minutos andando, atravessamos uma passarela para irmos ao outro lado da Avenida, o caminho todo sempre bem vazio de pedestres e cheio de carros passando por nós.

 

CHEGADA NA MESQUITA

   Ao chegarmos na frente da Mesquita, às 11:27, encontramos a Vanessa e começamos a procurar a entrada da Mesquita, começamos a avistar pessoas vestidas um pouco diferentes do habitual, com roupas mais fechadas e mais pesadas. Na entrada tinham vários homens de meia idade e vendedores de produtos árabes, como pães sírios, geleias e doces típicos, não havia mulheres na entrada, apenas homens de meia idade vestidos com calça e camisa social.

 

   Com a ajuda de um desses homens da entrada encontramos um tipo de recepcionista que nos instruiu pelas entradas. As entradas são diferentes e são duas: A primeira entrada é a entrada dos homens, passando por um corredor com várias palavras e citações do Alcorão em português, inglês e árabe, chegamos em uma outra entrada só para mulheres. Nessa entrada tinha uma sala com espelhos e cômodas, essa sala é para as mulheres que não estão vestidas de acordo com o código de conduta da Mesquita, lá possuem véus, Hijab e Chador, que cobrem as partes dos corpos femininos. Saindo dessa sala e entrando na parte feminina da Mesquita, é preciso retirar os sapatos e colocá-los em estantes dispostas para tal uso. Além disso, tem o banheiro e nesse banheiro possui um lavatório para os pés, que o Mohamed, o nosso guia da Mesquita, posteriormente nos ensinou que existe um ritual de purificação/ limpeza e que por algum motivo não possa ser feito em casa, eles disponibilizam esse lavatório para ser feito tal limpeza.

 

 

 

 

   Nós, mulheres, vestimos nossos véus, cobrimos nossos cabelos, tiramos nossos sapatos e entramos no salão da Mesquita. Por termos chegado mais de uma hora antes do sermão começar, a Mesquita estava com muita pouca movimentação, o que nos permitiu dar uma olhada em todo o salão vazio. A segregação entre os homens e as mulheres é gritante, um não pode ultrapassar o espaço do outro. As mulheres devem ficar posicionadas atrás do espaço dos homens, esse espaço é divido por fileiras de cadeiras, sendo as fileiras de trás para as mulheres e as da frente para os homens. Quando chegamos só havia uma mulher sozinha e outra com seu filho, todos sentados no sofá. Na entrada havia degraus que nos dava acesso ao piso mais baixo do salão, esse salão era todo coberto por um tapete de cor azul royal forte e listras na cor creme que indicavam a direção de Meca. Nosso espaço era no formato triangular, tinha um sofá extenso encostado na parede de cor escura, depois toda a extensão era tapete até as cadeiras. Além disso, pelo salão possui estantes com exemplares do Alcorão e com tradutores simultâneos.

   Depois de alguns minutos de nossa chegada, o Mohamed chegou para nos dar suas instruções, ele começou explicando como que funciona o sermão, eles começam fazendo chamadas em árabe para os seguidores saberem que o sermão está começando, os códigos de conduta, não se pode passar na frente de quem está rezando, se passa por trás das pessoas para não atrapalhar sua reza, como a Mesquita funcionava, todos os sermões são transmitidos ao vivo pelo Facebook e explicou também o porquê dos espaço feminino ser reduzido comparado ao espaço masculino e do número reduzido de mulheres lá, os homens são obrigados a fazer suas rezas na Mesquita, enquanto as mulheres podem fazer em casa também. Após os esclarecimentos, pegamos nossos tradutores e nos posicionamos na parte de trás do espaço, tanto para visualizarmos o sermão como um todo e as pessoas, como para não atrapalhar ninguém durante o sermão. Todas sentadas próximas umas das outras, assistindo as pessoas começarem a chegar e se acomodar. Havia uma senhora que parecia uma “zeladora” das mulheres, ela organizava as cadeiras, posicionava as mulheres em certos lugares, distribuía tradutores e até colocava mais vestimentas naquelas que ela não considerava “adequado” o traje.

   Quanto mais perto do início do sermão, mais cheio o salão ficava. Os homens mais velhos e as mulheres mais velhas ficavam sentados nas cadeiras, enquanto os mais novos ficavam sentados no chão. Os homens mais velhos se vestiam todos de traje social, camisa social de botão e calça social, os de meia idade para mais novos se vestiam mais casualmente, de calça jeans e camiseta casual ou até mesmo de time de futebol. Já as mulheres mais velhas usavam uma única vestimenta que cobria da cabeça aos pés o seu corpo, além de uma roupa comprida, calça comprida e camisa de manga comprida, por baixo, as mais novas usavam Hijab cobrindo o cabelo e o colo, blusas compridas, calças jeans ou de tecido e por cima das calças uma saia, as meninas bem novas até uns 4/5 anos vestiam calça de tecido e camiseta, as acima dessa idade vestiam calça e camiseta e por cima uma peça que cobria o corpo todo. Ao observar as pessoas, noto uma grande diversidade de idades e etnias, de idosos a crianças, brancos, negros, indianos e asiáticos, a maioria deles sendo imigrantes de outros países.

   Um homem começou a fazer o chamado perto do início do sermão, depois que todos se acomodaram dentro do salão, o homem parou de fazer o chamado, o Sheik chega às 12:30, sobe no púlpito (Mimbar) e começa o seu sermão. Contando com o nosso grupo, a parte feminina tinha no máximo mais umas 15 mulheres e crianças, a masculino estava lotada de homens. À princípio ficamos meio perdidas, pois o tradutor não estava conseguindo fazer a transmissão simultânea e a frequência não estava funcionando direito. Mas eu pude observar que o foco dos praticantes não era ouvir o sermão em si, era fazer sua reza, até para enxergar o Sheik lá de trás era quase impossível, tanto pela distância quanto pela quantidade de pessoas na frente que obstruíam a visão. A reza consiste em ficar de pé, fechar os olhos, depois se ajoelhar e inclinar seu corpo para frente, como se estivesse beijando o chão do tapete, creio que por isso os tapetes estão lá e a limpeza dos pés seja necessária, e ir repetindo esses movimentos inúmeras vezes. No começo, as pessoas faziam o movimento esporadicamente e sem sincronia, depois, mais para o fim do sermão, todos se alinharam em fileiras, um bem próximo do outro e começaram a fazer essa reza em sincronia, mesmo aqueles que estavam sentados nas cadeiras se posicionaram e rezaram juntos, a reza é sincronizada, porém muito silenciosa, ninguém além do Sheik se pronuncia. Já perto do final do sermão o tradutor começa a funcionar e faz um breve resumo do sermão, o assunto foi a Copa do Mundo, em como o Islã aprova a prática de esportes, pois um fiel forte e saudável pode fazer mais pelo Islã e por Alá, porém desaprova o oportunismo da Copa do Mundo em arrecadar dinheiro ou usar o esporte como um negócio.

   Com o sermão terminado às 13:20, o salão se esvazia rapidamente e fomos autorizadas a ultrapassar o espaço feminino e conhecer toda a Mesquita. Pudemos ver o Mimbar de perto e o teto, que é todo pintado à mão ou a pinturas impressas, e também partes do alcorão em árabe. Uma praticante nos guiou até uma porta que levava à um jardim de inverno, ela nos conta que é síria e que veio a pouco tempo para o Brasil com seu marido, mas que gosta muito daqui.

VOLTA

   Depois de uns 20 minutos tirando fotos e conhecendo melhor a Mesquita, finalmente fomos embora. Após algumas horas vestindo um lenço para cobrir o meu cabelo, seu sentimento de empolgação troca de lugar com o de sufoco, de confinamento. Sair da Mesquita e o simples ato de tirar o lenço trazem um sentimento de liberdade e também questionamentos. Cobrir seu corpo, colo, cabelo e rosto é zelo ou aprisionamento? Na saída da Mesquita além dos mesmos produtos da chegada ainda estavam vendendo esfihas, coxinhas e tipos de vestimentas para adentrar a Mesquita e assistir sermões, tanto femininas como masculinas, além de adereços para a cabeça e peças de decorações, como tapetes e lâmpadas.  

   Voltamos andando pelo mesmo caminho até a Estação de trem Mooca, deixamos a Vanessa no ponto de ônibus perto da Mesquita. Às 14:00 chegamos na Estação e pegamos o trem de volta para Santo André. A Estação continuava pouco movimentada, enquanto o movimento dentro do vagão do trem havia aumentado, estava lotado, fomos em pé até a Estação Celso Daniel, onde depois de uns 30 minutos de viagem, descemos da trem, deixamos a Letícia que iria embora de carro e fomos andando até o Shopping Grand Plaza, onde fomos almoçar.

 

 

   Após almoçarmos, nos dividimos, alguns foram embora, outros ficaram no shopping, outros foram para a Prefeitura. Eu, a Stefanni e a Talita saímos do shopping às 15:30 e fomos para o ponto do fretado Terminal Leste, a Stefanni foi para o campus Santo André, enquanto eu e a Talita fomos para SBC, a fila do fretado estava grande e cheia, assim como o próprio, estava muito sol e quente, ela foi sentada e eu em pé. Depois de uns 15/20 minutos o fretado chegou no ponto da minha casa, me despedi da Talita, desci no ônibus e subi para o apartamento.   Quando cheguei em casa às 16:00, estava cansada e descansei antes de voltar para faculdade. Marquei de jantar às 19:00 com a Talita no RU na faculdade, jantamos e comentamos sobre nossas experiências e do cansaço que esse dia havia nos causado, falamos sobre a matéria da próxima aula até às 21:00 quando a mesma começou, nos dirigimos para o bloco Alfa 1 e assistimos à aula. Às 22:45 quando estava voltando para casa estava me sentindo exausta e pesada, minha cabeça não parava de circular sobre todas as experiências que tínhamos vividos naquele dia. Cheguei em casa, tomei um banho e fui dormir.

NO DIA SEGUINTE

     Ao acordar, eu senti o estranhamento e o desconforto de enxergar fora do que eu costumo ver, ao poder tomar meu café, vestir minhas roupas, sejam elas curtas, compridas, coloridas, largas, apertadas, decotadas ou não, andar desacompanhada e sem ter que pedir permissão na rua, ter a oportunidade e a liberdade de estudar, poder dirigir, votar, casar com quem eu quiser, trabalhar ou ter escolhas próprias. Me trouxe a angustia de saber que ainda somos diariamente silenciadas, negligenciadas, maltratadas, desdenhadas, reprimidas, subestimadas e humilhadas. Alguns dos meus colegas ficaram embasbacados com a beleza do local, a diversidade, a diferença, a recepção, mas eu não pude sentir a mesma coisa, era, indubitavelmente lindo e encantador, mas o incômodo que aquela beleza me trouxe foi bem maior.   

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